domingo, 8 de maio de 2011

A Fábula da Arca


Certo dia a divindade chamou o Rei do Céu e disse-lhe:

- Rei, não vou lhe dar maiores detalhes, mas seria bom eu você mandasse construir, dentro de um mês, uma grande arca. Bem grande.

Informado, o Rei voltou ao palácio e falou do que lhe dissera Deus a um amigo. Dele, ouviu que existia do outro lado das montanhas da capital um velho fabricante de arcas.

O velho foi chamado ao Salão Dourado e lá o Rei mandou que começasse a fazer uma arca tão grande quanto a vontade de Deus. O ancião, taciturno e silencioso, recebeu a ordem e foi embora para a sua tapera, onde já construíra as melhores arcas do Reino, ainda durante a vida do bisavô do soberano.

Um dos sábios que cercava e planejava o Reino do Monarca – que, como bom monarca, também era cercado por sábios – foi ao ouvido do monarca e argumentou:
- Majestade, se é a vontade de Deus, acho que seria temerário colocar todo o projeto da arca na dependência exclusiva do know-how do velho, cuja tecnologia, pelos últimos relatórios recebidos, parece obsoleta comparada com o que se faz nos paises que estudam o assunto, apesar de, como sabemos, não fabricarem arcas. Eu aconselharia o Reino a criar um grupo de trabalho para coordenar o Projarca, como poderíamos chamar o projeto.

O Rei não gostava de grupos de trabalho, pois sabia que eles dificilmente se agrupavam para trabalhar. Mas, tratando-se de assunto onde entrara a mão de Deus, concordou.
 Quinze dias depois, o ancião já tinha pronto o estoque de madeira com o qual ergueria a arca. Técnicos do Projarca, porém, duvidaram da qualidade do lenho e representaram aos sábios do Rei.
Houve um atrito entre o velho e um técnico. Os sábios preocupados com a ranhetice do ancião, foram ao Rei e solicitam a criação de uma subsidiária para pesquisar vegetais. Ela haveria de dizer, em pouco tempo, qual o tipo de árvore a ser usada.

Resolveu-se criar a Peskarca. Ela teria a vantagem adicional de operar no mercado, tornando-se lucrativa. Mas, como uma empresa de pesquisa não pode ficar subordinada a um grupo de trabalho, fechou-se o grupo de trabalho e fez-se uma superintendência chamada Superarca.

No vigésimo dia do prazo descobriu-se uma roubalheira gigantesca no fornecimento de equipamentos e venda de computadores à Superarca, que já tinha 12 mil funcionários. Como havia pressa, não foi aberto inquérito, mas criou-se uma gerência de controle, entregue a um probo servidor que passou a ter o título de Gerarca.

Este demitiu 2 mil funcionários, com ajuda dos 5 mil que contratara, e informou aos sábios que, entre os técnicos da Superarca, havia até republicanos. Estes foram devidamente processados, com exceção de uns poucos que desapareceram.

Passados 25 dias do encontro do Rei com Deus, a Peskarca já dera um lucro de dois milhões de estrelas, e a Superarca, graças à fábrica de bandeirinhas e à criação de pintos que mantinha nas granjas de apoio, rendera outros quatro.

O velho fabricante de arcas, esquecido, deixara de ir à capital, até que se descobriu que suas verbas tinham sido repassadas ao Departamento de Relações de Imagem – Imarca – encarregado de defender a imagem da Superarca em publicações neo-republicanas.

Foi o superintendente, que na época já era Vice-Rei de uma Companhia de Economia Misturada, a Comarca, e, depois de um diálogo áspero, onde foi acusado de pretender rejeitar o sistema Proarca, gerado pelos computadores para encaminhar o fluxograma, acabou demitido.

O Rei soube da dispensa do velho no trigésimo dia do prazo, quando foi chamado por Deus.
- E a arca? – perguntou a divindade.
- O senhor precisa me dar mais 15 dias. Está tudo pronto. Temos 25 mil funcionários trabalhando dia e noite no projeto. Ainda não começamos a montagem, mas, em compensação, graças à versatilidade de nossos técnicos e de meus sábios, já ganhamos mais de 50 milhões de estrelas aproveitando os resultados marginais do projeto.
- O senhor tem mais 15 dias. Pode voltar. Mas cuide para ter sua arca no prazo.
- De volta ao palácio, o Rei reuniu os sábios e determinou que a Comarca apressasse seu trabalho. Para isso, foi instituído um grupo de trabalho interministerial.

Trabalhou-se dia e noite e, passados 10 dias, a quilha estava montada. No 12º, surgiu o perfil da proa. No 13º, a popa, no 14º, o chefe dos sábios, numa cerimônia fartamente ilustrada pela Gazeta da Coroa, pregou a primeira tábua da arca propriamente dita.

Na manhã seguinte, o Rei soube que precisaria mais 10 dias com Deus. Irritou-se, tirou duas das três carruagens dos sábios e proibiu-os de usar mais de 32 vestes nas festas de cerimônia.
Ao alvorecer, Sua Majestade já estava à porta de Deus, à procura de mais um adiamento. Foi recebido por um santo que trouxe a má notícia.
- Não haverá adiamento. Deus já lhe deu prorrogação e, afinal de contas, quando mandou que fizesse a arca, já estava sendo benevolente.

Descendo o caminho de seu Reino, o monarca começou a sentir uma chuva fininha que caía.

Três dias depois continuava chovendo. O grande Salão Dourado estava inundado, como, aliás, todo o país. A Corte, reunida, tinha água pela cintura.

Um dos sábios, mais esperto, viu que surgia no horizonte uma pequena mancha. Era um barco, um grande barco, uma arca.
 - Mandem parar aquela arca. De que é aquela arca?
- Não adianta. É do velho Noé, aquele que trabalhava para meu bisavô. Ele não vai parar – previu o Rei.

E Noé, que em sua arca só levava bichos, foi em frente.


Documento extraído de uma apostila de curso de Administração de Empresas.