terça-feira, 3 de janeiro de 2012

Pequenas Igrejas, Grandes Negócios: Como fundar uma Igreja Evangélica

Como fundar uma Igreja Evangélica? Basta seguir os seguintes passos:

Capítulo 1 - Nome e denominação da igreja

Para iniciar a sua igreja protestante (que é sinônimo de evangélico se você não sabia), antes de qualquer coisa você deve escolher o tipo de protestantismo a ser seguido. São muitas opções: Igrejas Luteranas, Batistas, Metodistas, Presbiterianas, Anglicanas, Biscaterianas e o diabo a quatro, mas a opção de longe mais recomendada são as igrejas pentecostais, que fazem um sucesso imenso no Brasil e não têm a obrigação de se pautar nas regras da Reforma Protestante, que crente nenhum faz questão de conhecer. Ou melhor, ainda, siga a linha Neopentecostal, que é igual aos pentecostais, com a diferença de que as pessoas não podem ver televisão à vontade e as mulheres precisam usar aquelas saias horrorosas e deixar o cabelo descuidado.

Agora escolha qual será o nome da sua igreja. Isso não será difícil, basta você usar a sua criatividade. Uma boa fórmula é começar o nome por Igreja, acrescentar um adjetivo enaltecedor, com o objetivo de passar uma ideia de abrangência, e por último um sinônimo para o lugar em que Deus vive, ou pelo menos que a maioria da população acredita ser o tal lugar. Também pode ser qualquer outro lugar bíblico, como por exemplo, o Monte Sinai ou a muralha de Jericó. Abaixo segue um esquema:

Igreja + Adjetivo + do (a) + Substantivo + de Deus

Para fazer exemplos, vamos pegar dois três modelos já existentes e criar alguns nomes de igrejas neopentecostais:

Igreja Universal do Reino de Deus (modelo real 1)
Igreja Internacional da Graça de Deus (modelo real 2, claramente plagiado baseado no primeiro)
Igreja Mundial do Poder de Deus (modelo real 3), claramente plagiado baseado nos dois primeiros)

A partir destes dois e dos itens sugeridos acima:

Igreja Galáctica do Universo de Deus
Igreja Intercontinental da Ordem de Deus
Igreja Multinacional da Máfia de Deus
Igreja Sensacional do Pagode de Deus
Igreja Carnal do Sovaco de Deus
Igreja Dodecagonal da Patota de Deus

Se você quer modelos mais sofisticados, também é possível substituir Deus por outras variantes bíblicas, mas aí não há uma receita de bolo. Mesmo assim darei alguns exemplos mais avançados:

Igreja Interdimensional da Praça de Pedágio da Muralha de Jericó
Igreja do Santo Dízimo de Cristo
Igreja da Mina de Ouro no Monte Sinai
Igreja de Jesus Cristo e Maria Madalena no Barraco de Deus
Igreja do Santo Dinheiro de Wall Street

Perfeito, a nossa igreja evangélica já tem um nome agora. Para ilustrar melhor, usaremos o nome Igreja Multinacional da Máfia de Deus a partir deste ponto. O próximo passo é aprender como que se comanda uma igreja crente.

Capítulo 2 - Aulas teóricas

Evidentemente que para mandar em uma igreja evangélica você precisa ter a mínima noção de como funciona um "templo". Mas não se preocupe, não serão necessários dez anos de seminário nem curso de Teologia para se aprender, visto que até garotinhas de cinco anos conseguem chefiar multidões de crentes. A melhor fonte para você são as próprias igrejas que já existem e fazem sucesso, como a Igreja Universal. Comece a ir a alguns cultos da IURD, veja como o pastor fala e como ele faz para convencer o povo de que o dízimo de fato está afastando delas o demônio. À noite, em vez de cair nas baladas (ou nas sessões de RPG se você for um nerd), assista ao programa da Igreja Universal na Record, um prato cheio de métodos e técnicas de conversão em massa de pessoas. Lembre-se de anotar todas as frases de efeito proferidas pelos pastores e todos os versículos da Bíblia citados, mas pelo amor de Deus, cuidado para você também não se converter à IURD; não se esqueça de que os traficantes nunca se viciam nas drogas.

Além de acompanhar a prática conversiva na Igreja Universal, você também deverá ter um material de estudo em casa, que não precisa ser uma Bíblia. Recomendo um daqueles caderninhos vendidos em lojas evangélicas que vêm com uma lista de versículos bíblicos prontos, e também versões da Bíblia para crianças, daquelas que são cheias de imagens e texto bem simples, que qualquer moleque entende e se converte na hora (mas você não deve se converter de jeito algum, não esqueça). Depois de alguns dias de estudo teórico, quando você se sentir capaz de enrolar algumas pessoas com um discurso messiânico-capitalista, já poderá pensar na construção do templo.

O discurso messiânico-capitalista deve possuir algumas palavras-chave. O fiel é "irmão". A sua trambicagem e maracutaia é a "obra". Não se esqueça de que para seus fiéis você deverá ser um super-herói, eles não querem padres que não transam desde os 18 anos (a pedofilia não está inclusa no pacote) e que falam baixinho. Eles querem pessoas extrovertidas, querem uma "ligação forte" com Deus. Resumindo, você deverá ser o Adolf Hitler de Jesus.
Não se esqueça do Teorema de Romildo:

Baboseira a ser dita Pregação + Em nome de Jesus + Participação da "audiência" = Dízimo.

Seria ideal que você treinasse seu discurso messiânico-capitalista em frente ao espelho, primeiramente. Depois treine com seu cachorro. Se ele chorar ou olhar com cara de tacho para você, é porque está funcionando. Aleluia, Irmão!

Capítulo 3 - Construindo o templo

Para ter uma igreja evangélica, é fundamental um lugar destinado às pregações. Para isso você precisa arranjar um templo onde funcionará a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. No começo, o templo não precisará ocupar a área de um campo de futebol e/ou uma sede estadual da Igreja Universal; o tamanho deve ser suficiente para juntar de 100 a 1000 pessoas no máximo. Templos muito grandes exigem maiores despesas com aluguel e contas de água, luz e telefone, e por ora você não pode pagar tudo isso. Alugue um barracão do tamanho de um auditório, com um banheiro no máximo (mas que seja limpo, né), e está ótimo por enquanto. Dentro do barracão, coloque várias cadeiras plásticas de 1,99 e improvise um altar à frente, com um crucifixo de madeira (pode ser aquele da casa da sua avó) e um microfone se possível, senão você pode simplesmente falar um pouco mais alto e pronto. Lembre-se que o altar deve estar no mínimo um metro acima dos idiotas, digo, clientes digo, fiéis, para que você tenha uma visão privilegiada, e que os fiéis tenham medo e admiração de você. Não é preciso recordar os ensinamentos de Darth Macedo: Você é o super-herói deles.

Quanto à localização da igreja, prefira sempre comunidades grandes e pobres, de preferência a maior favela da sua cidade, afinal gente pobre é muito mais fácil de manipular, se bem que o dízimo per capita não será grande coisa, mas igreja nenhuma começou já convertendo o Kaká e a Mara Maravilha logo de cara. Além disso, se o seu público inicial for carente, ninguém vai ligar para a falta de infraestrutura no seu barracão clerical. O seu templo não poderá dar muitas despesas iniciais, como já foi dito acima; somando aluguel e as contas de água, luz e telefone, não passe de mil reais por mês. Pelo menos você não terá de pagar IPTU, por se tratar de uma igreja.

Uma coisa importante é a fachada da igreja, ela deve ter aquelas faixas bizarras, com propaganda da sessão do descarrego. Quanto mais faraônico, melhor.

Capítulo 4 - Convertendo os primeiros adeptos


Depois de arranjar uma sede inicial, está na hora de arrebatar otários fiéis para a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Se você seguiu ipsis litteris o capítulo anterior, não será difícil arrumar gente em meio à favela que você escolheu. Basta você prometer às pessoas que a sua igreja vai tirá-las daquela pobreza toda, a qual só existe por causa da ação do capeta sobre elas, e na pior das hipóteses, mesmo que a maioria morra pobre, a sua igreja lhes garantirá a chegada ao Paraíso, onde nunca mais haverá privações e blábláblá.

Para falar com os potenciais adeptos, espere até o próximo domingo e vá até algum ponto frequentado por toda a comunidade, podendo ser uma feira livre, um camelódromo ou o boteco da esquina, e passe o dia fazendo pregações a quem passar por lá, afirmando todas as qualidades dessa religião salvadora e omitindo os defeitos. Não se esqueça de citar vários versículos bíblicos, por isso a importância daquele caderninho comprado na livraria evangélica. Nos outros dias, tente seguir de barraco casa em casa falando com os moradores da comunidade sobre a sua igreja, mas tenha cuidado para não parecer Testemunha de Jeová, apenas diga que a sua nova igreja poderá lhes dar um novo sentido à vida, acabar com o sentimento de pobreza e com certeza garantir a chegada ao céu. Também tenha cuidado redobrado em não abordar a casa do traficante da região antes de ter recolhido pelo menos alguns dízimos.

O seu objetivo inicial é converter em torno de 100 pessoas para a igreja. Consideremos que o público é pobre e a renda mensal média desse povo gira na casa de 700 reais, portanto serão mais ou menos 70 reais de cada um por mês. Haverá fiéis um pouco mais abonados, uma classe média baixa talvez, com seus 1000 reais mensais, mas também tem os que não passam de 500 contos, por isso a média 700. Com esse público de 100 crentes, a receita total será de 7000 reais, contando só os dízimos. A despesa será de cerca de 1000 reais como foi falado acima, portanto, se der tudo certo, você terá um lucro mensal de 5 a 6 mil reais no começo. No primeiro mês, é melhor você ainda continuar no seu emprego normal, para poder custear os primeiros aluguéis e contas, mas com o tempo você deverá dar total atenção à igreja, quando você puder viver dos dízimos e ofertas.

Capítulo 5 - Cultos

Os cultos são uma coisa muito importante, pois não existe igreja protestante sem cultos, certo? No gênese da sua obra capitalista espiritual para com os carentes, você não precisa fazer culto a cada hora como nas igrejas mais poderosas, mas precisará de um mínimo de atividade. Promova dois cultos semanais, um no domingo de manhã e outro no meio da semana, podendo ser quinta-feira à noite, num horário acessível a todos, ou seja, depois do trabalho. Evite a quarta-feira por ser este o dia do futebol na televisão, algo que realmente afasta as pessoas do caminho da fé. Os cultos deverão durar cerca de uma hora e você deverá estar bem vestido; para isso, arrume um terno preto o mais rápido possível.

Por enquanto você é o único pastor da igreja, o responsável por comandar os dois cultos semanais. Mas não é tão difícil assim não, basta lembrar as aulas teóricas e enrolar a multidão com alguns versículos da Bíblia, interpretados do jeito que você quiser, valendo até achismo se você não entender direito o versículo; não interessa, todo mundo vai acreditar na sua palavra. Depois de fazer uma leitura e interpretação de alguns trechos bíblicos, escolhidos por você aleatoriamente uma hora antes do culto (para dar tempo de ler pelo menos uma vez antes), bote gasolina na fogueira e comece a gritar palavras de ordem contra o diabo, dizendo que Jesus Cristo tem o poder para vencer o mal e a sua igreja possui o mais direto elo com Jesus. Logo depois desse sermão, lembre os seus seguidores de que a fidelidade no dízimo é condição sine qua non para que Jesus se lembre de cada um deles. O dízimo é a prova da aliança entre Deus e os homens, na verdade você não está pagando, mas está devolvendo ao Senhor, pois Ele já lhe dá toda a proteção contra o demônio, está assim no livro de Malaquias e blábláblá. Lembre-se de repetir isso em todos os cultos, para que as pessoas sintam um medo absolutamente mortal de ousar não devolver o dízimo naquele mês, afinal você lhes dirá que hoje são eles quem julgam Deus, mas depois será Deus quem os julgará.

Uma vez por semana, contrate algumas pessoas para aparecerem aos seus fiéis, dizendo que você as curou de algum encosto ou que a sua igreja as livrou de uma crise de dívidas ou coisa que o valha. Esses depoimentos acontecerão logo antes do culto dominical e farão com que os adeptos acreditem ainda mais em seu pastor, que é você. Logo depois, antes de começar o culto, peça a todos que tentem divulgar a igreja aos seus amigos e parentes, afinal essa igreja realmente ajuda as pessoas, como ficou bem claro nos depoimentos.

Capítulo 6 - Expandindo o quadro de pastores

Depois de um tempo, a sua igreja começará a ficar conhecida na comunidade, graças aos milagres operados e devidamente divulgados por você e pelos depoimentos das pessoas contratadas, e o número de fiéis deverá estar na casa de 500 dentro de poucos meses. A essa altura, a Igreja Multinacional da Máfia de Deus recolhe cerca de 20 a 30 mil reais por mês com os dízimos e você já pode pensar em começar a expandir o seu negócio. Vamos contratar mais pastores para a igreja.

O salário de um pastor está por volta de 3 mil reais por mês, um ótimo pagamento, sendo que ele trabalha poucas vezes por semana. Contrate três pastores profissionais para fazerem todo o seu trabalho na igreja, agora você não precisará mais comandar os cultos pessoalmente. Além disso, com esse novo pessoal, os cultos poderão ser diários e duas vezes por dia, sendo um dia manhã e noite, o outro dia tarde e noite e assim sucessivamente, com o horário previamente distribuído entre os três pastores. Apareça de vez em quando no culto do domingo para falar sobre as pessoas que mudaram de vida com a igreja, acompanhando os depoimentos semanais. Assim você não deixa de ser lembrado pelos seus seguidores sem mais ter de fazer sozinho todo o trabalho, ou a obra, no jargão protestante.

Treine os pastores para que eles consigam imitar perfeitamente seus gestos e voz. Isso possui um efeito subliminar muito importante sobre os fiéis. Eles inconscientemente ficarão com a sensação de que você está sempre por perto, acreditando que você tem o dom da onipresença.

Capítulo 7 - Expandindo a igreja

Agora você nem precisa mais bancar o pastor, pois já tem um quadro de profissionais competentes para isso, e o rebanho de fiéis cada vez mais aumenta, chegando uma hora em que o seu barracão não comporta mais todo mundo. Chegou a hora de você construir uma sede maior para a igreja. Para ter uma ideia de como é uma igreja evangélica de médio porte, faça como você já fez nas aulas teóricas: vá até uma Igreja Universal e anote toda a infraestrutura, desde o tamanho até o número de cadeiras disponíveis, a quantidade de cômodos além do auditório, incluindo secretaria e centros de atendimento aos fiéis. Nesse ponto, estimo que se passou um ano desde a fundação da igreja, e você deverá ter por volta de 100 mil reais disponíveis para erguer um templo de verdade, digno da sua ambição.

Compre um terreno próximo ao barracão clerical onde você fundou a igreja e inicie a construção do novo templo, que deverá suportar até 5000 pessoas, incluindo agora cadeiras de melhor qualidade, um altar igual àqueles usados na IURD, alguns banheiros e um setor de atendimento ao cliente. Dentro de alguns meses o complexo estará pronto, desde que você contrate uma boa equipe de pedreiros e um engenheiro confiável para a obra. A despesa da construção estará entre 100 e 200 mil reais para um templo de tamanho médio, mas se você já tem 1000 fiéis, serão 70 mil reais por mês com as ofertas, e mesmo descontando aluguel, contas e salários, sobram mais de 50 mil, portanto um ano é mais do que suficiente para angariar os fundos necessários à expansão da igreja.

Quando a nova sede ficar pronta, imediatamente transfira todas as atividades para lá, assim você não precisará mais pagar aluguel todo mês. Agora a sua igreja está bem maior do que no início, e certamente você já contratou secretárias, faxineiras e mais alguns pastores, possibilitando cultos três vezes por dia. Você já é conhecido nos bairros vizinhos também, inclusive atraindo pessoas da classe média, agora que o templo está mais sofisticado, o que significa que o dízimo só tende a aumentar. Está na hora de criar mais algumas atrações para o seu respeitável público.

Capítulo 8 - Atividades extras

Igreja que é igreja não oferece apenas cultos. Como a Igreja Multinacional da Máfia de Deus já não é uma igrejinha de fundo de quintal, podemos pensar em outras atividades para as pessoas. A mais clássica atividade extra culto sem dúvida alguma é a sessão de descarrego, acompanhada de outras coisas como Vale do Sal, Óleo Santo do Monte Sinai e por aí vai. Antes de qualquer coisa, organize sessões de descarrego uma vez por semana, preferencialmente no culto de domingo à tarde, quando todos podem ir à igreja. Nem se preocupe em aprender a descarregar encostos, já que os seus pastores se encarregarão de todo o trabalho árduo, mas não se esqueça de aparecer de vez em quando na sede para acompanhar as sessões e mostrar a todos que você é um líder presente.

O próximo passo é criar alguns itens mágicos, exatamente como aqueles dos RPGs, e lhes atribuir poderes espirituais para serem usados em atividades extra culto. Por exemplo, pegue uma espada de madeira, pode ser uma daquelas de Kendô mesmo, e use-a numa sessão de descarrego para auxiliar na luta contra os encostos. Basta dizer que se trata da Espada Sagrada Vorpal +5 do Arcanjo Miguel; o efeito psicológico sobre os fiéis é garantido. Também vale criar cenários exóticos durante a sessão, como é o caso do Vale do Sal. Uma boa ideia de cenário diferente é, em vez do sal, espalhar um monte de rosas vermelhas no caminho até o altar, que deverá ser percorrido por todos os fiéis, e no altar você colocar um boneco de pano com um pouco de areia dentro, pendurado no teto por uma corda, igual àqueles negócios usados para treinar Boxe e Muay Thai. O boneco deverá ser a cara do Saga de Gêmeos em seu lado maligno, e então você deverá mandar o seu seguidor encher de porrada o boneco, que representa o demônio e todos os males que ele está enfrentando. Chute o demônio, expulse o mal que lhe atormenta! Não desista, em nome de Jesus!

A criatividade é toda sua para inventar outras atividades similares, que certamente animarão a multidão, porque o pessoal adora novidades. Outra ideia é fazer as sessões de descarrego tradicionais no domingo e as sessões personalizadas no meio da semana, mas sempre variando a temática da sessão; num dia, Vale das Rosas contra o Saga, no outro, a Bênção da Espada +5, e assim sucessivamente.

Capítulo 9 - Abrindo filiais

Parabéns, jovem empresário pastor. A sua igreja é um imenso sucesso e você nunca viu tanto dinheiro de dízimos e ofertas na sua mão. Uma igreja só não é mais suficiente para manter o seu império em expansão, então vamos pensar em abrir novas filiais da Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Procure mais alguma comunidade grande e ignorante da sua cidade, nos moldes da favela onde você abriu aquele barracão inicial, e construa outro templo igual ao que você usa agora como sede matriz. Contrate mais pastores e secretárias para trabalharem apenas na nova filial e mantenha lá a mesma grade horária da matriz, incluindo as atividades extra culto, com a diferença de que você não precisa ficar visitando a filial toda semana.

Com a grana que você está faturando agora, é possível abrir várias filiais por ano, afinal o império não pode parar, certo? Pois meta a mão à obra e abra várias filiais logo depois desta, cobrindo toda a sua cidade com a sua igreja por meio de filiais localizadas em pontos estratégicos. Se for um bairro grande, considere fazer um templo maior do que a matriz, daqueles comparáveis a grandes ginásios esportivos pelo tamanho. E se tudo der certo, a sua igreja será mais influente do que a Igreja Universal na sua cidade.

Por último, haverá a opção de instalar filiais em outras cidades do Brasil, quando não houver mais espaço nas suas próprias redondezas. Isso dará bem mais trabalho, evidentemente. Para levar o seu projeto a outras regiões, será necessário o último passo deste manual, que é conquistar a mídia.

Capítulo 10 - Arrebatando a mídia 

Finalmente, para transformar a sua igreja numa potência de nível nacional, será preciso tomar para si o poder da mídia, e isso dará algum trabalho mesmo para a sua colossal igreja. Comece por meio de jornais e periódicos próprios, publicados na sua cidade e região metropolitana, o que garantirá de uma vez por todas a sua supremacia regional no âmbito religioso/protestante. Até a Igreja Católica irá tremer perante a Igreja Multinacional da Máfia de Deus. Depois disso, procure comprar horários na televisão para transmitir seus cultos em todo o estado, e mais tarde, em todo o país. Comprar algumas horas de programação lhe custará algumas centenas de milhares de reais por mês, mas agora a sua igreja é milionária e isso não será nada para o seu tesouro.

Graças aos programas de TV, a sua igreja se tornou famosa em todo o país e concorre com as maiores igrejas do ramo. Por último, como o golpe final rumo ao sucesso na carreira evangélica, basta comprar uma emissora de televisão e nela veicular todos os seus cultos e sessões alternativas de descarrego. Quando esse dia chegar, a sua igreja será imortalizada e entrará para os anais da História.



sábado, 9 de julho de 2011

Carta de Isaac Asimov aos Futuros Leitores de uma Nova Biblioteca



16 de março de 1971

Caros Meninos e Meninas,

Parabéns pela nova biblioteca, porque não é apenas uma biblioteca. É uma espaçonave que os levará aos mais distantes confins do Universo, uma máquina do tempo que os levará ao passado longínquo e o futuro a perder de vista, um professor que sabe mais do que qualquer ser humano, um amigo que os divertirá e os consolará – e, acima de tudo, um portal para uma vida melhor, mais feliz e mais útil.

Isaac Asimov

É uma das 97 cartas enviadas por personalidades às crianças na abertura da nova biblioteca de Tory, Michigan, EUA, em 1971 por uma iniciativa de Marguerite Hart, que simplesmente escreveu às figuras famosas pedindo que dirigissem palavras de incentivo aos leitores.

Quatro décadas depois, a mesma biblioteca, como muitas, enfrenta dificuldades e pode ser fechada.




via 100nexos

domingo, 12 de junho de 2011

O Incidente Vela

 
 
Há 31 anos, duas explosões de grande intensidade foram detectadas no Atlântico, e até hoje não sabemos ao certo a sua origem.

Em 22 de setembro de 1979, um satélite de vigilância dos EUA, o Vela 6911 - detectou dois clarões de alta intensidade no Atlântico Sul, entre a África e a Antártida. A leitura dos sensores ópticos do satélite não foram muito claras, mas pode ser determinado que a energia necessária para gerar algo dessa magnitude estava dentro da faixa de 2 a 3 quilotons.
Especialistas acreditam que possa ter sido um teste nuclear clandestino de Israel ou da África do Sul ou um evento similar ao que devastou Tunguska há 100 anos atrás. O que foi que causou o incidente Vela?
Os Estados Unidos lançou o Projeto Vela para monitorar os testes nucleares que ocorriam na superfície ou na atmosfera do nosso planeta. 
Em 1963, o Tratado sobre Ensaios de Explosões Nucleares (Partial Test-Ban Treaty) foi assinado por 130 países e proíbia todas as explosões nucleares, exceto as subterrâneas, para evitar as precipitações radioativas. Desenvolvido pelo DARPA (Defense Advanced Research Projects Agency) e supervisionado pela força aérea do país, o Projeto Vela se apoiava em três pilares: Vela Uniform, que detectaria explosões nucleares subterrâneas através dos eventos sísmicos relacionados; Vela Sierra, vários satélites destinados a detectar sinais de explosões nucleares na atmosfera, e Vela Hotel, outros satélites projetados para detectar sinais nucleares vindos do espaço.
A princípio, o programa devia funcionar por poucos anos, mas a robustez dos Vela, projetados para trabalhar por 6 meses, fêz com que fosse prorrogado por 26 anos.
Havia 12 satélites no total, seis do tipo Vela Hotel e seis do Vela Sierra, e giravam em órbitas situadas entre 100 mil e 113 mil quilômetros de altura, acima dos cinturões de Van Allen. Foram equipados com 12 detectores externos de raios-X e 18 detectores internos de nêutrons e raios gama, que funcionavam através da energia fornecida pelos painéis solares. Também tinham dois sensores especiais capazes de detectar ondas com duração menor do que o milissegundo, necessários porque as explosões nucleares atmosféricas, que eventualmente teriam que informar, produzem um único sinal de curta duração.

Dois e três quilotons

Na verdade, uma explosão deste tipo emite um clarão que dura cerca de 1 milissegundo, seguido por uma segunda luz mais prolongada, porém menos intensa, com duração de poucos segundos. Isto ocorre porque o primeiro clarão é alcançado rapidamente pela onda de choque atmosférica, composta de gás ionizado, que, ainda emite bastante luz, porém, rapidamente se torna opaco e esconde a explosão.
Não há fenômeno natural conhecido que possa produzir esse efeito, e os Vela não tiveram problemas em detectar estas explosões.
Em 22 de setembro de 1979, após informar com sucesso 41 explosões nucleares correspondentes a testes realizados pelas superpotências da época, o satélite Vela 6911 registrou com seus sensores ópticos dois estranhos clarões.
Embora tivesse as características habituais das explosões nucleares na atmosfera, havia ocorrido em uma região do mundo, o Atlântico Sul, entre a África e Antártica (47º S, 40° E) - em que não se esperava detectar algo assim.
A potência estimada das explosões foi entre 2 e 3 quilotons, 10 a 20 vezes menor que a da bomba de Hiroshima. A imprensa rapidamente chamou estes clarões de "Incidente Vela". Os serviços de inteligência começaram a trabalhar, e foram consideradas duas hipóteses principais.
A primeira, a que foi atribuída uma maior probabilidade, é que estes clarões eram o resultado de duas detonações nucleares secretas pertencentes a Israel ou África do Sul.
A segunda, que um objeto do espaço exterior, possivelmente um cometa ou meteorito, detonou ao entrar na nossa atmosfera dando origem a algo similar ao "Evento Tunguska", mas sobre o mar.

África do Sul sob suspeita

Enquanto a mídia rapidamente se esqueceu do incidente, as agências de inteligência a todo o custo queriam saber o que tinha acontecido, e seguiam todas as pistas.
Naquela época a África do Sul iniciou um programa para desenvolver armas nucleares, e quando o Vela 6911 captou os clarões, vários navios da marinha sul-africana realizavam manobras na área.
Quando tudo parecia indicar que este país era o responsável, Mordechai Vanunu, um técnico nuclear israelense, disse que seu país vinha desenvolvendo há 10 anos seu próprio programa nuclear no deserto de Negev, e tinha trabalhado em estreita colaboração com os sul-africanos.
Estas declarações fizeram com que muitos acreditassem que os dois países em conjunto, tinham realizado os testes.
No entanto, apesar de um primeiro relatório do governo dos Estados Unidos atribuir os clarões a uma explosão nuclear sul-africana, uma comissão especial composta por peritos designados pela Administração Carter, concluiu que "devido a ausência de radiação nas imediações do evento, não se podia ter certeza de que esta fosse a causa do fenômeno".

Radiação na Área

No meio da confusão, juntaram-se as vozes dos responsáveis pelo radiotelescópio de Arecibo ("nós encontramos uma ocorrência inusitada na ionosfera), do governo da Austrália ("Nós detectamos níveis anormais de radioatividade na área.") e dos cientistas responsáveis pelo projeto e supervisionamento dos Vela ("o satélite está funcionando corretamente, e sua confiabilidade é demonstrada quando detectou 41 testes nucleares.
O tempo passava, e parecia que jamais iríamos saber o que aconteceu.
Mas em Fevereiro de 1994, o comodoro Dieter Gerhardt, cujo currículo incluia atividades tão diversas como "espião soviético", "condenado" e "comandante da Base Naval de Simon Town na África do Sul", surpreendeu a todos por ter declarado publicamente que "apesar de não estar diretamente envolvido, posso dizer que o clarão foi o resultado de um teste nuclear de Israel e África do Sul, cujo nome código era Operação Fênix. Se esperava que não fosse detectado, mas o clima mudou e os americanos descobriram".
A reputação de Gerhardt não era das melhores, e o incidente continuou sem uma causa oficialmente reconhecida.
Três anos depois, em 1997, um jornal israelense citou o ex-ministro das Relações Exteriores da África do Sul que confirmou que o incidente Vela tinha sido um teste nuclear sul-africano. No entanto, as dúvidas cresceram novamente, logo após o ex-ministro afirmar que seus comentários tinham sido "tirados do contexto".
Ainda hoje muitos dos documentos relacionados com o incidente continuam "classificados" por parte dos governos, que pouco fazem para esclarecer o que aconteceu.
A hipótese que responsabiliza um objeto extraterrestre parece ter perdido força, especialmente depois de declarações feitas pelos australianos a respeito da presença de radiação na região.
É muito mais provável que tenha sido um teste nuclear clandestino ocorrido durante a Guerra Fria, embora ainda não saibamos ao certo. Dentro de alguns anos, quando serão liberados alguns dos documentos que permanecem secretos, talvez a verdade venha à tona.

Tradução: Carlos de Castro

via: Arquivos do Insólito

domingo, 8 de maio de 2011

A Fábula da Arca


Certo dia a divindade chamou o Rei do Céu e disse-lhe:

- Rei, não vou lhe dar maiores detalhes, mas seria bom eu você mandasse construir, dentro de um mês, uma grande arca. Bem grande.

Informado, o Rei voltou ao palácio e falou do que lhe dissera Deus a um amigo. Dele, ouviu que existia do outro lado das montanhas da capital um velho fabricante de arcas.

O velho foi chamado ao Salão Dourado e lá o Rei mandou que começasse a fazer uma arca tão grande quanto a vontade de Deus. O ancião, taciturno e silencioso, recebeu a ordem e foi embora para a sua tapera, onde já construíra as melhores arcas do Reino, ainda durante a vida do bisavô do soberano.

Um dos sábios que cercava e planejava o Reino do Monarca – que, como bom monarca, também era cercado por sábios – foi ao ouvido do monarca e argumentou:
- Majestade, se é a vontade de Deus, acho que seria temerário colocar todo o projeto da arca na dependência exclusiva do know-how do velho, cuja tecnologia, pelos últimos relatórios recebidos, parece obsoleta comparada com o que se faz nos paises que estudam o assunto, apesar de, como sabemos, não fabricarem arcas. Eu aconselharia o Reino a criar um grupo de trabalho para coordenar o Projarca, como poderíamos chamar o projeto.

O Rei não gostava de grupos de trabalho, pois sabia que eles dificilmente se agrupavam para trabalhar. Mas, tratando-se de assunto onde entrara a mão de Deus, concordou.
 Quinze dias depois, o ancião já tinha pronto o estoque de madeira com o qual ergueria a arca. Técnicos do Projarca, porém, duvidaram da qualidade do lenho e representaram aos sábios do Rei.
Houve um atrito entre o velho e um técnico. Os sábios preocupados com a ranhetice do ancião, foram ao Rei e solicitam a criação de uma subsidiária para pesquisar vegetais. Ela haveria de dizer, em pouco tempo, qual o tipo de árvore a ser usada.

Resolveu-se criar a Peskarca. Ela teria a vantagem adicional de operar no mercado, tornando-se lucrativa. Mas, como uma empresa de pesquisa não pode ficar subordinada a um grupo de trabalho, fechou-se o grupo de trabalho e fez-se uma superintendência chamada Superarca.

No vigésimo dia do prazo descobriu-se uma roubalheira gigantesca no fornecimento de equipamentos e venda de computadores à Superarca, que já tinha 12 mil funcionários. Como havia pressa, não foi aberto inquérito, mas criou-se uma gerência de controle, entregue a um probo servidor que passou a ter o título de Gerarca.

Este demitiu 2 mil funcionários, com ajuda dos 5 mil que contratara, e informou aos sábios que, entre os técnicos da Superarca, havia até republicanos. Estes foram devidamente processados, com exceção de uns poucos que desapareceram.

Passados 25 dias do encontro do Rei com Deus, a Peskarca já dera um lucro de dois milhões de estrelas, e a Superarca, graças à fábrica de bandeirinhas e à criação de pintos que mantinha nas granjas de apoio, rendera outros quatro.

O velho fabricante de arcas, esquecido, deixara de ir à capital, até que se descobriu que suas verbas tinham sido repassadas ao Departamento de Relações de Imagem – Imarca – encarregado de defender a imagem da Superarca em publicações neo-republicanas.

Foi o superintendente, que na época já era Vice-Rei de uma Companhia de Economia Misturada, a Comarca, e, depois de um diálogo áspero, onde foi acusado de pretender rejeitar o sistema Proarca, gerado pelos computadores para encaminhar o fluxograma, acabou demitido.

O Rei soube da dispensa do velho no trigésimo dia do prazo, quando foi chamado por Deus.
- E a arca? – perguntou a divindade.
- O senhor precisa me dar mais 15 dias. Está tudo pronto. Temos 25 mil funcionários trabalhando dia e noite no projeto. Ainda não começamos a montagem, mas, em compensação, graças à versatilidade de nossos técnicos e de meus sábios, já ganhamos mais de 50 milhões de estrelas aproveitando os resultados marginais do projeto.
- O senhor tem mais 15 dias. Pode voltar. Mas cuide para ter sua arca no prazo.
- De volta ao palácio, o Rei reuniu os sábios e determinou que a Comarca apressasse seu trabalho. Para isso, foi instituído um grupo de trabalho interministerial.

Trabalhou-se dia e noite e, passados 10 dias, a quilha estava montada. No 12º, surgiu o perfil da proa. No 13º, a popa, no 14º, o chefe dos sábios, numa cerimônia fartamente ilustrada pela Gazeta da Coroa, pregou a primeira tábua da arca propriamente dita.

Na manhã seguinte, o Rei soube que precisaria mais 10 dias com Deus. Irritou-se, tirou duas das três carruagens dos sábios e proibiu-os de usar mais de 32 vestes nas festas de cerimônia.
Ao alvorecer, Sua Majestade já estava à porta de Deus, à procura de mais um adiamento. Foi recebido por um santo que trouxe a má notícia.
- Não haverá adiamento. Deus já lhe deu prorrogação e, afinal de contas, quando mandou que fizesse a arca, já estava sendo benevolente.

Descendo o caminho de seu Reino, o monarca começou a sentir uma chuva fininha que caía.

Três dias depois continuava chovendo. O grande Salão Dourado estava inundado, como, aliás, todo o país. A Corte, reunida, tinha água pela cintura.

Um dos sábios, mais esperto, viu que surgia no horizonte uma pequena mancha. Era um barco, um grande barco, uma arca.
 - Mandem parar aquela arca. De que é aquela arca?
- Não adianta. É do velho Noé, aquele que trabalhava para meu bisavô. Ele não vai parar – previu o Rei.

E Noé, que em sua arca só levava bichos, foi em frente.


Documento extraído de uma apostila de curso de Administração de Empresas.

domingo, 10 de abril de 2011

Uma Bala Lenta e Certeira


Henry Ziegland, de Honey Grove, Texas, abusou sexualmente de sua namorada num dia de 1893. O irmão da moça cumpriu seu dever "de honra" e atirou contra ele. No entanto, Ziegland foi apenas levemente ferido pela bala, que lhe deixou uma pequena cicatriz no rosto, antes de se alojar no tronco da árvore diante da qual ele estava. O irmão da moça, dando-se por vingado, deu fim à própria vida com a mesma arma.
Vinte anos depois, em 1913, Ziegland decidiu remover tal árvore. Incapaz de fazê-lo manualmente, resolveu usar dinamite. Na explosão, a bala disparada contra Ziegland desprendeu-se com tanta força da árvore que lhe atingiu violentamente a cabeça, matando-o, afinal.

retirado de: 
"O Livro dos Fenômenos Estranhos"
de Charles Berlitz

segunda-feira, 21 de março de 2011

Construa sua própria arma laser!

Me deparei com este vídeo no Youtube que mostra como construir uma arma laser de verdade usando um leitor de DVD.


Vou fazer um para mim, com certeza!

Mas tome cuidado de não apontar para ninguém pois, como você poderão ver no vídeo, embora fácil de fazer o aparelho é perigoso. Você pode acabar queimando a sua retina!

Se quiser pode ver o passo a passo aqui.

domingo, 20 de março de 2011

O Homem Cuja Vida Era Inexplicável

Havia uma vez um homem chamado Mojud. Vivia numa cidade onde obtivera um emprego como pequeno funcionário, e tudo parecia indicar que terminaria sua vida como Inspetor de Pesos e Medidas.
Certo dia quando caminhava ao longo dos jardins de um antigo edifício próximo à sua casa, Khidr, o misterioso Guia dos Sufis, surgiu diante dele, vestido de um verde luminoso. Então Khidr disse:
- Homem de brilhantes perspectivas! Deixe seu trabalho e se encontre comigo na margem do rio dentro de três dias. - Dito isso, desapareceu.
Excitado, Mojud procurou seu chefe e lhe disse que ia partir. E todos na cidade logo souberam do fato e comentaram:
- Pobre Mojud! Deve ter ficado louco.
Mas como havia muitos candidatos ao posto vago, logo se esqueceram de Mojud. No dia marcado, Mojud encontrou Khidr, que lhe disse:
- Rasgue suas roupas e se lance no rio, talvez alguém o salve.
Mojud obedeceu, embora se perguntasse se não estaria louco .
Já que sabia nadar, não se afogou, mas ficou boiando à deriva um longo trecho da corrente antes que um pescador o recolhesse em seu bote, dizendo:
- Homem insensato! A corrente aqui é forte. Que está tentando fazer?
- Na verdade eu não sei - respondeu Mojud.
- Vejo que perdeu a razão, mas o levarei à minha cabana de juncos junto ao rio e aí veremos o que se pode fazer por você - disse o pescador.
Quando o pescador descobriu que Mojud era bem instruído, passou a aprender com ele a ler e escrever. Em troca, Mojud recebeu alojamento e comida e ajudou o pescador em seu trabalho diário.
Transcorridos uns poucos meses, Khidr apareceu novamente, desta vez ao pé do leito de Mojud, e disse:
- Levante-se e deixe a cabana deste pescador. Será provido do necessário.
Vestido como um pescador, Mojud deixou imediatamente a humilde cabana e perambulou sem rumo certo até alcançar uma estrada.
Ao romper da aurora, viu um granjeiro montado num burro, a caminho do mercado.
- Procura trabalho? - perguntou o agricultor. - Estou precisando de um homem que me ajude a trazer algumas compras da cidade.
Mojud o acompanhou então. Trabalhou para o granjeiro durante quase dois anos, ao fim dos quais aprendeu muita coisa, mas somente sobre agricultura.
Uma tarde quando estava ensacando lã, Khidr fez nova aparição e lhe disse:
- Deixe esse trabalho, dirija-se à cidade de Mosul, e empregue suas economias para se converter em mercador de peles.
Mojud obedeceu.
Em Mosul tornou-se logo conhecido como um negociante de peles, sem voltar a ver Khidr durante os três anos em que exerceu seu novo ofício. Tinha reunido uma considerável quantia e estava pensando em comprar uma casa, quando Khidr lhe apareceu e disse:
- Dê-me seu dinheiro, afaste-se desta cidade rumo à distante Samarkand e lá passe a trabalhar para um merceeiro.
Foi o que Mojud fez. E logo começou a demonstrar indícios indubitáveis de iluminação. Curava os enfermos, servia a seu próximo no armazém e nas horas de lazer, e seu conhecimento dos mistérios da vida tomou-se cada vez mais profundo.
Sacerdotes, filósofos e outros o visitavam e indagavam:
- Com quem você estudou?
- É difícil dizer - respondia Mojud.
Seus discípulos perguntavam:
- Como iniciou sua carreira?
E ele retrucava:
- Como um pequeno funcionário.
- E deixou o emprego para dedicar-se à automortificação?
- Não, simplesmente abandonei a carreira.
Eles não o compreendiam.
Pessoas dele se acercavam, desejosas de escrever a história de sua vida.
- Que tem feito em sua vida? - indagavam.
- Em me atirei a um rio, fui salvo por um pescador com quem morei e trabalhei. Certa noite, abandonei a sua cabana de juncos. Depois, me converti num agricultor. Quando estava ensacando lã, larguei meu trabalho e me dirigi para Mosul, onde me tornei mercador de peles. Economizei algum dinheiro ali, mas o doei. Então fui para Samarkand, passando a trabalhar para um merceeiro. E aqui estou agora.
- Mas esse comportamento inexplicável não esclarece de modo algum seus estranhos dons e exemplos edificantes - observaram os biógrafos.
- Assim é - disse Mojud.
E foi assim que os biógrafos teceram em torno da figura de Mojud uma história maravilhosa e excitante. Porque todos os santos afinal devem ter sua história, e esta deve estar de acordo com a curiosidade do ouvinte, não com as realidades da vida.
E a ninguém é permitido falar de Khidr diretamente. É por isso que esta história não é verídica. É uma representação de uma vida. A vida real de um dos maiores sufis.

O Homem Cuja Vida Era Inexplicável

O Xeque Ali Farmadhi (falecido em 1078) reputava importante este conto para exemplificar a crença sufi de que o 'mundo invisível' está todo o tempo, em vários lugares, interpenetrando a realidade comum.
Coisas - diz ele - que encaramos como inexplicáveis são, de fato, devidas a tal intervenção. E mais, as pessoas não reconhecem a participação desse 'mundo' no seu, por acreditarem conhecer a causa real dos acontecimentos. Mas não a conhecem. Somente quando advertem a possibilidade de outra dimensão que atua às vezes sobre as experiências comuns, é que tal dimensão pode tornar-se acessível a elas.
O Xeque é o décimo Xeque e Mestre instrutor da Ordem dos Khwajagan ('mestres'), conhecida depois como o Caminho Naqshbandi.

A presente versão é do manuscrito do século XVII de Lala Anwar, Hikayat-i-Abdalan ('Histórias dos Transformados').
Extraído de 'Histórias dos Dervixes'
Idries Shah
Nova Fronteira, 1976